Língua de doido

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Dicionário de Internetês

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sábado, 17 de setembro de 2011

Gírias e o escambau

Colunista se diz ser um colecionador de gírias em desuso.

 

 

 

 

 

Semana passada, na Folha de São Paulo, li uma crônica sobre Carlito Maia. Fui amigo dele. Quem não foi amigo do Carlito Maia? Homem de publicidade, homem de bem, homem bonérrimo. 

 

Carlito Maia, com seu chapéu de publicitário (para traduzir irresponsavelmente uma expressão popular inglesa), foi o responsável por acrescentar à nossa língua, mais acostumada a emagrecer do que engordar, expressões que pegaram. Desde "É uma brasa, mora", da época do Roberto Carlos, até o slogan "Lulalá" - ambas pegaram, a última ajudou a colocar o homem "lá".

Lembrei-me do Carlito Maia e me lembrei também de gírias que se foram. Gíria é passarinho que fica pouco tempo na gaiola; foge logo. Pena. Sou um colecionador de gírias em desuso. 

A três por dois (qual será a origem da expressão?) vêm-me à mente doentia (ou, mais provavelmente, por total falta do que fazer) gírias das mais antigas, mais obsoletas. (Recuso-me terminantemente a usar o verbo "datar"ou o termo "datado". Quiuspa. Uma gíria gostosa feito o "homessa" passa e esse horror desse "datado" fica? Hem?)

Vivo dando braçada na net em busca de dicionário de gírias. Nossas, claro. Tem de lunfardo, tem do calão português, do francês, da malavita italiana, tudo. Nosso, que eu saiba, e acompanho com vivo interesse, só o Jornal da Gíria, publicado em Niterói ("Um jornal mensal dedicado ao idioma giário" é seu lema). 

Temos ainda sítios (site é o cacete) sobre o caipirês e os bons Houaiss e Aurélio estão aí dando sopa (essa vai pegar). Muita coisa se pesca lá. 

Sou vidrado, parado mesmo, também, na origem de expressões. Tem um livro lá em casa, do utilíssimo mosquito elétrico que foi o Raymundo Magalhães Jr. só sobre a origem de expressões, frases e provérbios. Reeditem-no, informatizem-no. Tá no ré? 

Agora, outro dia mesmo, querendo saber a origem de "buchincho", o Houaiss me remeteu, assim como quem me manda à PQP, a "buchinche", que é, segundo ele, um regionalismo do sul do Brasil e que quer dizer baile "das classes menos favorecidas" (olha esse elitismo aí, "seu" Houaiss) ou ainda, e aí o volume informático dá uma colher de chá (outra expressão a conferir a origem) e informa tratar-se de "arrasta-pé". 

Tudo somado, noves fora (sim, essa eu sei a origem; tá na cara), o negócio é que aqui o prestigioso (esse treco merecia aspas de tão antigão) Dicionário Oxford mandou agorinha mesmo, neste setembro, para as livrarias, o seu volume dedicada ao que os ingleses, coitados, em sua ignorância, chamam de slang. 

Vale coisa nova. Vale modismo que a televisão introduz às pencas (locução de origem óbvia, ou que está na cara, uma vez que o "nossa amizade" aí saiba o que quer dizer "penca"). 

Coisas feito shagtastic, stud muffin e minging que, possivelmente, para o cidadão local, dispensam maiores explicações. Para o boneco aqui, ao menos, neca de dispensas. Procurei nos dicionários virtuais inglês-portugues e neris de petibiriba. Coisa boa não deve ser.

Manjo um pouco, por gostar de gibi, de certas onomatopéias. Phwoar, por exemplo, que não chega a ser bem uma ono-isso-aí-que eu-escrevi, é a exclamação a ser feita quando se vê um peixão passar. Por operários da construção civil principalmente. 

Peixão é como nossos avós se referiam a uma mulher bem apanhada, bonita, gostosona, por aí. E soltavam um piropo (é galanteio, gente) feito "Foi isso aí que o médico me receitou três vezes por dia". E se ela estivesse ou não levando um cão pela coleira, "O cachorrinho tem telefone?". 

Mas ao Phwoar. Corresponde, em brasileirês, àquele ruído obsceno que as gentes de baixa origem (certo, Houaiss?) fazem com a boca, bem alto, como se estivessem sugando algo, quando passa uma mulher para cem ou até duzentos talheres.

Os ingleses gostam muito da rhyming slang, a gíria rimada. Uma tolice tremendona na minha pouco modesta opinião. O novo Oxford da Gíria consigna, por exemplo, Britney, como gíria rimada para cerveja. Britney Spears, beers. Sacaram? 

Esta é a segunda edição do Dicionário Oxford de Gírias, 16 anos depois de debutar nas livrarias locais. Seis mil verbetes, 350 novidades. Muitas delas vindas do outro lado do Atlântico, cortesia das séries de TV americanas, outras da Austrália, cortesia, ora! dos australianos.

Aguardo, pressuroso, a publicação do Dicionário Brasileiro de Gírias, empreitada financiada e elaborada por nossa Academia Brasileira de Letras, que, afinal, alguma coisa tem que fazer na vida.

***

Em tempo: alguém veio me explicar que eu estava por fora paca em matéria de minge e minging. É coisa antiga e quer dizer apenas malcheiroso, desagradável, e, também, muito bebum. Tãotá. 

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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Gírias

Quem nunca disse uma gíria, que fale alguma agora ou cale-se para sempre. Calma, não estou rogando nenhuma praga, apenas querendo dizer que as gírias fazem parte de nossas vidas. Estão por toda parte, aparecendo novas expressões a todo o momento.


Tudo pode virar gíria. Elas existem assim como os apelidos para que as pessoas 
possam chamar de forma diferente: objetos, fatos e outras pessoas. Que apesar de possuírem seu próprio nome, por um acaso do destino, acabam ganhando este jeito “novo” de serem chamadas e reconhecidas.


Como exemplo, podemos citar a cerveja, que no passar dos anos, foi intitulada de: loira, ceva, boa, gelada entre outras.


As gírias em geral são facilmente entendidas, pois são introduzidas gradualmente em nosso meio. Mas se por acaso pegássemos uma pessoa totalmente isolada do mundo por algumas décadas e falássemos com ela utilizando gírias, poderiam ocorrer equívocos de interpretação.


Pensem nesse indivíduo escutando que um rapaz estava “azarando” a moça na escola. Provavelmente iria imaginar que o referido jovem estava torcendo para que a tal moça tropeçasse em algo ou que estourasse a caneta no meio de seu caderno, porque para ele “azarar” seria torcer contra e não “paquerar”.


Outra gíria que poderia ser mal interpretada é o tal “toque” do celular - aliás, no meu tempo dar um toque em alguém, era dar uma dica sobre algo, para o sujeito se “tocar” sobre algum fato do qual ele não estava muito por dentro –, mas voltando ao celular, a primeira coisa que se pensaria era que os jovens andavam se “cutucando” (sabe-se lá aonde) com seus aparelhos.


Pior ainda seria se escutasse que fulano iria mandar um “torpedo” para uma “mina”. Entraria em pânico, acreditando se tratar de um ataque terrorista.


Brincadeiras à parte, as gírias servem de certa forma para personalizar o jeito como chamamos algo, deixando-o na “moda”. Chega como uma novidade, transforma-se em pronúncia corriqueira e por fim acaba no dicionário para não cair no total esquecimento.


CONSTANTE, Antônio Brás. Gírias. DUPLIPENSAR. Disponível em: http://www.duplipensar.net/artigos/2006-Q4/lista-de-girias.html. Acesso em: 12/09/2011.

domingo, 11 de setembro de 2011

Novo dicionário escolar reconhece gírias como ‘periguete’ e ‘tuitar’

‘Aurélio Júnior’ tem lançamento na Bienal do Livro do Rio. Edição também traz novo significado para a palavra 'ficar'.


Lançada na Bienal do Livro, que acontece no Rio até dia 11 de setembro, a nova edição escolar do dicionário “Aurélio” tem como novidade a inclusão das palavras “periguete”, “tuitar” e outras expressões que circulam nas bocas das novas gerações entre seus 30 mil verbetes.


Segundo definição do “Aurélio Júnior”, “periguete” significa “moça ou mulher que, não tendo namorado, demonstra interesse por qualquer um”, enquanto “tuitar” é definido como “postar ou acompanhar algo postado no Twitter”.


“O uso é o que habilita uma palavra a entrar para o dicionário”, diz a Valéria Zelik, responsável pela edição do manual. “A língua tem muitas nuances, e o dicionário é um reflexo disso, não o contrário”, afirma a editora.


Ela também cita os termos bullying, blog e deletar entre os verbetes integrados recentemente, além do verbo “ficar”, que ganhou novo significado: “trocar carinhos por período curto, mas sem compromisso de namoro”.


Outra modificação nos verbetes foi a reintegração do termo “presidenta” ao manual escolar. “A solicitação da Dilma Rousseff aflorou o uso desse feminino, que tem uma carga ideológica, é um feminino feminista”, diz a editora.


Palavras em quarentena


Valéria conta que a equipe de dicionaristas que trabalha no “Aurélio” pesquisas constantes nos meios de comunicação de massa e em obras literárias e acadêmicas em busca de novas palavras a serem reconhecidas. Para entrar para o dicionário, uma nova expressão leva em torno de cinco anos de “quarentena”, em que seu uso será estudado.


“Checamos se é um registro que veio para ficar ou se é um simples modismo”, diz a editora, que conta que o termo “tuitar” acabou superando mais rapidamente esse processo por conta de sua ampla aceitação. “Até os membros da Academia Brasileira de Letras tuitam”, explica.

_________. Novo dicionário escolar reconhece gírias como ‘periguete’ e ‘tuitar’. GLOBO. Disponível em: http://www.votebrasil.com/noticia/brasil-mundo/novo-dicionario-escolar-reconhece-girias-como-periguete-e-tuitar. Acesso em: 11/09/2011.

sábado, 10 de setembro de 2011

Bebês processam a linguagem da mesma maneira que adultos, diz estudo

Bebês de pouco mais de um ano conseguem processar as palavras que ouvem com as mesmas estruturas cerebrais que os adultos

UC San Diego School of Medicine/Divulgação
Imagem mostra atividade cerebral em quatro crianças
indicando o aprendizado de palavras
Bebês, até mesmo aqueles que são muito novos para falar, podem entender muitas das palavras que os adultos estão falando e seus cérebros processam a linguagem da mesma maneira que os adultos fazem.


Combinando técnicas de ponta para mapeamento do cérebro, cientistas da Universidade da Califórnia descobriram que os bebês de pouco mais de um ano conseguem processar as palavras que ouvem com as mesmas estruturas cerebrais que os adultos e na mesma quantidade de tempo. Além disso, os pesquisadores descobriram que as crianças não entendem as palavras apenas como sons, mas são capazes de compreender seu sentido. O estudo foi publicado na revista Cerebral Cortex da Universidade de Oxford.


"Os bebês estão usando os mesmos mecanismos do cérebro que os adultos para encontrar o sentido das palavras dentro do que se pensa ser um 'banco de dados mental' de sentidos, que é constantemente atualizado até a idade adulta", disse Katherine E. Travis, uma das autoras do estudo.


Anteriormente, muitas pessoas achavam que as crianças poderiam usar um sistema completamente diferente para aprender palavras e que a aprendizagem começaria de forma primitiva, evoluindo para o processo utilizado pelos adultos. A determinação das áreas do cérebro responsáveis pelo aprendizado da linguagem, no entanto, foi dificultada pela falta de evidências mostrando onde o processo de desenvolvia no cérebro.


Enquanto lesões em duas áreas chamadas Broca e Wernicke tenham sido associadas à perda de habilidades da fala em adultos, lesões similares em crianças têm pouco impacto no desenvolvimento da linguagem. Para explicar essa disparidade, alguns especialistas propuseram teorias dizendo que o hemisfério direito e a região fontal inferior são inicialmente críticas para a linguagem e que as áreas clássicas da linguagem durante a fase adulta se tornam dominantes somente quanto a experiência com as palavras aumenta. Teorias alternativas, no entanto, sugeriram que a plasticidade do cérebro das crianças permite que outras regiões assumam a tarefa de aprender a linguagem caso a região frontotemporal seja danificada. 

 
Agência Brasil. Bebês processam a linguagem da mesma maneira que adultos, diz estudo . Estadão. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,bebes-processam-a-linguagem-da-mesma-maneira-que-adultos-diz-estudo,664242,0.htm. Acesso em: 10/09/2011.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Sotaques dos sinais


Mesmo sem som, a Libras (Língua de Sinais Brasileira) também tem variações regionais, a ponto de ser possível identificar um surdo do nordeste ou do sul só com base no seu gestual

Rachel Bonino

Paola Ingles Gomes cursa a 8ª série em São Paulo numa tradicional escola municipal para deficientes auditivos no bairro da Aclimação, a Helen Keller. Como outros colegas adolescentes, costuma ir à festa junina promovida pelo Instituto Santa Teresinha, um evento que virou referência entre estudantes surdos de todo o país. Paola conversava com um amigo de outro estado numa dessas comemorações anuais quando, entre risos, sinalizou que ele era um "palhaço", um tolo. O sinal usado indicava uma bola no nariz, assim como usam os palhaços. O rapaz não entendeu a "gíria" e coube a Paola indicar o contexto da palavra, por meio de outros sinais. Casos assim se repetem a cada interação entre deficientes auditivos de regiões diferentes, mas que adotam a mesma gramática gestual adotada pela Libras, sigla para Língua de Sinais Brasileira. Nesse universo sem sons, há gírias, regionalismos e até mesmo o que podemos chamar de sotaques.

De fato, determinados termos possuem variações maiores ou menores quando "pronunciados" por gestos. Só a palavra "abacaxi", no sortido espectro de variantes em forma de gesto, tem ao menos cinco sinais diferentes em todo o país, com pequenas mudanças de movimentos entre os compartilhados por Bahia e Pará e os usados no Mato Grosso ou em Santa Catarina.

A Libras é reconhecida desde 2002 por lei federal (ver quadro). Tem como base cinco parâmetros:  a direcionalidade (para onde as mãos e o rosto se dirigem), o ponto de articulação (de onde parte o movimento), a configuração de mão, o movimento propriamente dito e as expressões faciais e corporais. A variedade lingüística dos sinais ocorre, em alguns estados, quando se modifica ao menos um desses parâmetros.

- É como se houvesse uma "pronúncia" diferente. É um tipo de sotaque, só que sem som - afirma a lingüista Tanya Amara Felipe, professora da Universidade de Pernambuco (UPE) e coordenadora do Programa Nacional Interiorizando a Libras.

Dizer sem falar

Quase não existem pesquisas sobre variações regionais em Libras, mas já há base empírica para os estudiosos arriscarem configurações. A psicóloga Walkiria Duarte Raphael, uma das autoras do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira (Edusp, 2001), diz conseguir identificar um r arrastado nos sinais dos surdos cariocas.

- Eu, lidando com os diferentes sinais, percebo que no Rio eles soletram mais arrastado, embora não exista estudo com base científica sobre o assunto. Os surdos que oralizam bem [que reproduzem com os lábios as palavras sinalizadas] acabam falando junto com o sinal. E aí também se consegue perceber o sotaque. É possível sentir claramente isso, no sinal - diz.

Embora não haja equivalência entre o verbo e os gestos de cada lugar, os sotaques dos sinais parecem acompanhar as sutilezas das falas de cada região. Para Walkiria, é possível perceber a diferença regional pela observação da mão de apoio - é comum que os surdos destros façam o movimento com a mão direita e a esquerda sirva de suporte. No Rio de Janeiro, segundo a estudiosa, a maioria dos sinais é feita com a mão de apoio fechada. Em São Paulo, a mão de apoio é aberta.

- Essa é uma diferença que notei quando estava juntando os sinais para o dicionário. Isso pode ser considerado um sotaque? Pode - diz Walkiria.

Sueli Fernandes, lingüista , assessora técnico-pedagógica do Departamento de Educação Especial da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, concorda:

- Sejam faladas ou sinalizadas, é próprio das línguas a pluralidade de manifestações. A unidade lingüística é um mito mesmo na linguagem por sinais - analisa a profissional, que também é colaboradora do Libras é Legal, projeto de difusão da língua coordenado pela seccional do Rio Grande do Sul da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis-RS).

Ambiente virtual



Coordenadora do curso a distância de Letras-Libras na Universidade Federal de Santa Catarina, único nos moldes no país, a lingüista Ronice Müller de Quadros mantém contato com 500 alunos de nove estados no ambiente virtual. Desse total, 447 são surdos. A quantidade de sinais variantes é tão grande que eles criaram um glossário para padronizar aqueles usados e criados no curso.


- Dá para identificar quem não é  de Santa Catarina pela variação dos sinais, e pelas diferentes expressões faciais e corporais - conta.

Ela lembra que os falantes do Rio de Janeiro costumam usar muito o alfabeto manual na comunicação. Ou seja, no lugar do sinal, em muitas situações, o termo é soletrado. Característica que não é típica dos usuários de São Paulo, segundo Ronice.

- Os surdos do Norte do país se apóiam bastante nas expressões facial e corporal. O tamanho do sinal é maior, ocupa mais espaço. Mas essa diferença não tem implicação no significado do sinal. Manaus, por exemplo, é um dos pólos em que os estudantes apresentam mais variações. Talvez pelo fato de estarem muito distantes - analisa.

Mas nem sempre os surdos encararam com bons olhos o contato com sinais de outras regiões. No início da produção da primeira edição do dicionário, a psicóloga Walkiria Raphael - que atualmente trabalha na segunda edição do livro (ver quadro) - percebeu que diante de um termo diferente os surdos tendiam a dizer que aquele sinal estava "errado". Hoje,  as variações são mais aceitas.

- A própria comunidade surda tinha uma rixa. Daí a resistência dos surdos que estavam nos ajudando, na elaboração do dicionário, de incluir sinais que não são usados em São Paulo. Tínhamos de convencê-los de que aquele sinal era representativo para determinada região. Havia bairrismo - diz.

Se no caso do sotaque os sinais envolvidos têm diferenças sutis de estado para estado, no caso dos regionalismos, ao contrário, as mudanças são totais. A linha de pensamento é a mesma da palavra "mandioca" com suas variações "macaxeira" e "aipim". A mesma palavra, "abacaxi", tem sinais muito diferentes, como os de São Paulo e os do Rio de Janeiro. Dá pra dizer então que os sinais regionais são aqueles que representam a mesma coisa só que com ponto de articulação, movimentos, direcionalidade e expressões faciais, todos diferentes.

- Quando comparamos sinais usados por jovens surdos e surdos idosos, nas associações, por exemplo, percebemos mudanças na forma e no conteúdo dos sinais, por vezes até condenados pelos mais velhos que se orgulham de utilizar "sinais puros", sem a interferência do português, tal como o fazem as gerações atuais.

Nova geração

O atual cenário educacional é responsável por uma revolução na cultura surda. No passado, o isolamento era grande. Os sinais eram passados de geração a geração e se restringiam à representação do cotidiano, nada muito específico. Hoje, a presença no ambiente escolar tem estimulado a criação de muitos novos sinais, já que há disciplinas e termos técnicos, além de permitir o contato do estudante com os sinais de outras regiões. A estrutura que, nesse processo, mais tem sido renovada são os substantivos.

- Sinais vêm sendo criados, simultaneamente, em diferentes regiões, para atender às necessidades de conceituação e comunicação, repercutindo na ampliação do léxico. A especificidade das disciplinas e seus objetos de estudo requer um vocabulário técnico sinalizado que, enquanto não padronizado, contribui para a fomentação dos regionalismos - analisa Sueli Fernandes.

Algumas instituições de ensino que têm salas mistas - com alunos surdos e ouvintes - já estruturaram equipe para apoiar o contato entre professor e estudante durante as aulas. Sidney Feltrin é tradutor e intérprete de Libras há 12 anos. Há dois, ele trabalha com mais seis profissionais na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), que tem sete alunos surdos.

- Todos os sinais criados em sala de aula são encaminhados à Feneis para que sejam disseminados e adotados nas demais universidades do país, criando assim um padrão - conta.




Sinais de guetos

Além da linguagem mais técnica e específica, a escola ou faculdade coloca o deficiente auditivo em contato com outros grupos que não a própria família e os colegas. Só esse fator é responsável pela criação de mais uma penca de novos sinais usada no bate-papo dos corredores. Na escola municipal Helen Keller, em São Paulo, os jovens do ensino fundamental e do médio têm suas próprias gírias, muitas vezes variando de sala para sala, de panelinha a panelinha.

É inegável que a língua portuguesa acaba por determinar a constituição de vários elementos semânticos, estruturais e discursivos da língua de sinais. Isso não deixa de acontecer também no universo das gírias. É o caso do xingamento "palhaço", usado pelos alunos da escola com o mesmo sentido da língua portuguesa. Na Helen Keller, os estudantes também criaram seus próprios sinais para Orkut e MSN (programa de conversa on-line).

Assim como no português, a língua de sinais também registra os idioletos, ou seja, as maneiras únicas no modo de falar ou sinalizar de um indivíduo. Diferenças de idade, escolaridade, maior ou menor contato com a comunidade surda, tudo isso aumenta a diversidade de sinais.

- Todos os usuários da Libras conseguem comunicar-se uns com os outros e entendem-se bem, apesar de não haver sequer dois que façam sinais da mesma maneira - explica a lingüista Lodenir Becker Karnopp, também professora do curso Letras-Libras na UFSC.


Nesse mar de sinais e variações, quem não é surdo pode pensar que o entendimento entre os deficientes auditivos de estados diferentes fica quase impossível. Basta lembrar a quantidade de palavras usadas na língua portuguesa e suas variações, tão criativas quanto as dos sinais.

- Há, sim, uma tentativa de padronização das associações de apoio ao surdo. Há muitos sinais que já são padronizados e usados em congressos, por exemplo. Mas é preciso respeitar a diversidade - comenta Walkiria Duarte.

A mesma diversidade, aliás, que torna a Libras e a língua portuguesa admiradas pelos seus usuários.

História da Libras

A primeira instituição brasileira criada para apoiar a alfabetização dos surdos foi o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), criado por D. Pedro II, em 1857. Dezoito anos depois, em 1875, foi publicado o primeiro livro com os sinais usados por aqui, o Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos, de Flausino da Gama. O autor utilizou os mesmos sinais franceses, colocando a tradução em português. Daí a influência da língua francesa de sinais na brasileira.

- Esse sinais do livro deveriam ser usados concomitantemente com outros  já usados no Brasil naquele período [1875].

Provavelmente havia dois sinais e um "vingou". Pude observar em viagem aos Estados Unidos que há sinais do livro de Flausino que são usados pela ASL [American Sign Language], o que comprova o parentesco lingüístico entre as três línguas - analisa a lingüista Tanya Amara Felipe.

Quase um século depois, em 1969, estudiosos descobriram que no Brasil há outra língua de sinais usada pelos índios urubus-caapores, do Maranhão, que têm elevada taxa de surdez (1 surdo para cada 75 ouvintes).

Naquela década também foram publicadas, por iniciativa estrangeira, mais duas obras sobre os sinais brasileiros e que por muitos anos foram usadas no ensino de sinais: Linguagem das Mãos, de E. Dates; e Linguagem de Sinais do Brasil, de H. Hoeman. Ambas muitos influenciadas pela ASL.

Só na década de 80 é que estudos mais aprofundados em lingüística foram feitos. Nessa época, constituíram-se as principais instituições de apoio ao surdo. São Paulo e Rio de Janeiro influenciaram os sinais dos outros estados por terem sido os pioneiros no estudo do tema.

Foi em 2002 que o governo federal reconheceu a Libras como língua. Com a lei, a educação inclusiva dos surdos passou a ser obrigatória nas escolas públicas de todos os níveis. Dados do Censo 2000, reunidos pelo IBGE, indicam que dos 5,7 milhões de brasileiros com algum grau de deficiência auditiva, pouco menos de 170 mil se declararam surdos.


Dicionário de libras vai incluir sinais regionais
 
Publicação com quase 12 mil verbetes terá dois mil sinais só para palavras e expressões que variam de estado para estado


Antes da publicação do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira (Libras), em 2001, pela Edusp e apoiada pela Feneis, não havia registro oficial da linguagem gestual ensinada a surdos no Brasil. Os materiais existentes estavam espalhados pelo país em apostilas produzidas por associações de apoio ao deficiente auditivo. Uma realidade bem diferente da de outros países, como os Estados Unidos, onde há algum tempo já existem dicionários do gênero.

Seis anos depois, e com a menção honrosa na categoria Educação e Psicologia do Prêmio Jabuti conquistada em 2002, os autores do trabalho, os psicólogos Fernando Capovilla e Walkiria Duarte Raphael, preparam a segunda edição do dicionário. A previsão de lançamento é para o começo de 2008. Mais dois mil verbetes de sete estados serão incorporados ao catatau que já havia reunido 9,5 mil sinais, divididos em dois volumes. Será inserida a soletração do verbete, além da indicação dos lugares onde aquele sinal é usado.

No início da pesquisa, os autores se reuniram com um grupo de 14 surdos da Feneis-SP, que passaram cada sinal e seu significado. A meta nessa segunda etapa é "aumentar o vocabulário em português e o léxico em sinais", como explica Walkiria Raphael. Confira trecho de entrevista com a estudiosa:

Língua Portuguesa - Quais as dificuldades para montar o dicionário?

Walkiria Raphael - O surdo não se baseia nos verbetes escritos, mas no conceito, o contexto. É muito comum quando um ouvinte pede a um surdo soletrar uma palavra, como "essencial", e ele perguntar o que é. Depois de entender o contexto, aí, sim, ele faz o sinal referente. Outros surdos podem empregar um sinal diferente para "essencial", mas que contenha o mesmo sentido. Além do regionalismo nos estados, em São Paulo há grupos de jovens que criam seus próprios sinais, como no resto do país, aliás. Não dá para abarcar todos os sinais. Outra dificuldade é que não há uma correspondência tão direta entre o sinal e a palavra. Nós tivemos muito cuidado para fazer essa tradução.

Há sinais que já caíram em desuso?

Sim. Do primeiro ao segundo dicionário, já notamos isso. Mas a gente resolveu manter. É como no português: ainda encontramos termos que não existem mais, mas estão lá. O próprio sinal de Libras já mudou. Ainda assim, o outro sinal não deixou de ser usado. Como há pessoas que só conhecem as versões antigas das palavras, preferimos não eliminar esses termos.

As gírias surdas

Por Sueli Fernandes



As gírias são a parte mais interessante do discurso em Libras. É justamente nele que se manifesta o universo metafórico da língua, no qual os sinais são "manipulados" de forma a seduzir, enganar, disfarçar,  determinar... Testemunhamos o riquíssimo universo da polissemia e polifonia da língua da forma mais rica e diversa, em um contínuo de relações e situações determinadas pelo contexto, pelas expectativas dos interlocutores.


Existem muitos exemplos corriqueiros, bastante conhecidos nas línguas faladas, em que se usam gírias para se referir a garotas ou rapazes bonitos: "gato", "gostosa", "de cair o queixo"; ou quando precisamos informar necessidades fisiológicas como: "ir ao banheiro", "fazer xixi", "apertado" etc. Sejam faladas ou sinalizadas, as gírias são semanticamente bastante semelhantes nesses casos.


O que mais fascina na Libras são os artifícios usados pelos surdos para escapar dos olhos dos demais membros do grupo, em momentos em que necessitam endereçar mensagens subliminares, ou secretas, a algum interlocutor. Pela visualidade que é inerente à sinalização, inúmeros sinais "discretos" são criados, reduzindo-se o espaço da sinalização ou o ponto de articulação de modo a não deixar pistas aos bisbilhoteiros.


Por exemplo, se em uma roda de adolescentes surgem temas tabus como sexo ou masturbação, é comum que eles modifiquem os sinais usados convencionalmente. Da mesma forma, se uma menina quer confidenciar a outra que vai menstruar e há meninos por perto, ela muda a forma de sinalizar, usando um sinal "disfarçado". Quando se quer falar de alguém que está presente, usam-se mecanismos conversacionais de indicação disfarçada ou relações espaciais em que se estabelece uma localização neutra no espaço para o "dito cujo", mesmo que ele esteja presente, passando-se a enunciar indicando aquele ponto no espaço, sem que ninguém saiba de quem, exatamente, se fala.


São fartos, também, os exemplos de gírias que têm como sentido "tô nem aí com você", "qual é a dele?", "você me sacaneou", "tá me enrolando", "fiquei com o rabo entre as pernas", e assim por diante, que nada têm a ver com os sinais convencionais. Alguns são até modificados para a adequação discursiva.


Outros sinais são "intraduzíveis" isoladamente, pois uma mesma forma pode indicar inúmeros sentidos a depender do contexto. Um exemplo é o sinal em que a configuração de mão com o dedo médio colocado no topo da cabeça, acompanhado de uma expressão facial característica (mau humor, surpresa), pode significar "tô na minha", "que mico", "tô boiando" e assim por diante.


Enfim, a riqueza da Libras repousa justamente nesses elementos que chamaríamos extralingüísticos nas línguas faladas, mas que constituem a estrutura gramatical, semântica e discursiva da língua de sinais: movimentos de sobrancelhas, jogo de olhares, menear de ombros e de cabeça, "balanço" ao sinalizar, leveza ou ênfase no movimento, duração do olhar ou do movimento no ar, maior ou menor amplitude do espaço de sinalização. Ou seja, um universo quase desconhecido para aqueles que ainda não experimentaram constituir sentidos com palavras-imagens.

Sueli Fernandes é lingüista, assessora técnico-pedagógica do Departamento de Educação Especial da Secretaria de Estado da Educação do Paraná e colaboradora do projeto Libras é Legal.


FERNANDES, Sueli; BONINO, Rachel. Os sotaques dos sinais. Revista UOL. Disponível em: http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11431. Acesso em: 07/09/2011.

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